Fonte: Folha de S. Paulo
Cem redações para corrigir num único dia, durante algumas semanas. Essa é a realidade dos professores que dão notas ao que os alunos escreveram durante o vestibular.
E, para eles, estilo, coerência e capacidade de reflexão são os principais pontos que fazem um texto nota 10.
A Folha conversou com um corretor da Unicamp e uma do Enem e da Unesp, que pedem anonimato por terem contratos de sigilo.
Segundo a corretora do Enem, cada professor segue uma grade fixa, dando notas entre zero e cinco para cinco competências diferentes. As maiores notas ficam com o quesito adequação à norma culta, enquanto o tópico que avalia as sugestões que cada candidato oferece para os problemas propostos é o que tem a média mais baixa.
As redações passam por dois corretores, e cada um é treinado para não levar mais de cinco minutos na avaliação de um texto. "A ideia é que a correção não seja subjetiva. Somos monitorados, temos que dar as mesmas notas nas planilhas."
Para ela, o texto que chama a atenção no Enem e pode chegar a uma nota máxima (mil) une argumentação coesa e proposta de intervenção detalhada. "Um texto bom é aquele que convence, com boa argumentação."
Segundo Nedilson Cesar Rodrigues, professor do Colégio Marista Nossa Senhora da Glória e ex-corretor do Enem, o repertório do aluno conta, mas importante mesmo é não fugir do tema.
"Tive um aluno, no ano passado, que usou a redação para questionar o tema do Enem. Ele sempre tirava notas altas, tinha certeza de que ele tiraria mais de 900 no exame, mas não foi assim."
Para o corretor da Unicamp, o que mais chama a atenção no texto é o indício de autoria, uma "marca pessoal de escrita que seja funcional no texto". "Tem que ser original, atingir o leitor."
Com proposta mais livre, que pede dois textos menores no lugar de uma única redação, a Unicamp privilegia a capacidade de observação.
O corretor cita como exemplo a proposta de 2012, em que o aluno tinha de escrever um "verbete para uma enciclopédia online". "Basicamente, pediram que o aluno escrevesse um artigo pequeno da Wikipedia. Que aluno nunca leu a Wikipedia? Mas alguns estão tão fechados em escrever dissertação que acabam não entendendo isso."
Já a Fuvest "liga muito menos para a estrutura, para o texto quadrado, e muito mais para o conteúdo, o pensamento, a análise". Também valoriza muito o indício de autoria. A percepção é da professora Gabriela de Araújo Carvalho, coordenadora de redação do Poliedro - Paraíso. Há três anos, ela faz Fuvest apenas para participar da redação na segunda fase.
Gabriela conta que obteve nota dez na última prova, cujo tema era a "camarotização" social do Brasil. "Citei o rapper Emicida e usei exemplos do funk ostentação", diz.
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POLÊMICAS
Para Rodrigues, a redação da Fuvest é mais complicada que as de outros exames, porque pede um posicionamento claro dos alunos. "O repertório faz diferença", afirma.
Já a Unesp é um pouco menos severa com relação aos temas. De acordo com a corretora entrevistada pela Folha, os candidatos podem citar o texto-base em sua redação sem perder nota, ao contrário do que ocorre no Enem.
"O aluno precisa prestar atenção em como argumenta, no tipo de linguagem escolhida ", diz Rodrigues.
A corretora do Enem lembra de uma redação que zerou, há alguns anos, pois o aluno escreveu que a solução para o Brasil seria "matar" todos os políticos dentro de Brasília. "O Enem é uma prova mais otimista, ele analisa se o estudante tem propostas positivas", diz.
Nos outros vestibulares, não há uma indicação explícita de que certas opiniões podem zerar a prova, mas é preciso ter bom senso.
O corretor da Unicamp diz que nunca passou por uma situação dessas, mas que não acharia errado dar uma nota menor para um texto de teor preconceituoso. "Será que a faculdade vai querer aquele tipo de aluno?"
Para Gabriela, o problema está na coerência da argumentação. "Normalmente, os argumentos baseados em opiniões que ferem os direitos humanos ou que são mais preconceituosas não são bem fundamentados. Só isso já faz o texto perder nota", diz.
Fonte: Folha de S. Paulo