Segundo José Roberto Afonso, do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE), da FGV, existe um mito de que pobre não paga imposto no Brasil, beneficiando-se de programas sociais e serviços públicos que seriam financiados por impostos pagos pela classe média e os ricos.
Na última década, porém, um grupo crescente de especialistas tem feito estudos que mostram como tal percepção passa longe da realidade. De acordo dados do IPEA, por exemplo, os 10% mais pobres da população brasileira gastam 32% de sua renda com impostos. Já entre os 10% mais ricos a proporção seria de 21%.
Em 2007, Maria Helena Zockun, pesquisadora da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) chegou a conclusões semelhantes com uma pesquisa de metodologia um pouco diferente.
Seus dados mostraram que quem ganhava até dois salários mínimos gastava 48,8% de sua renda pagando tributos. Já quem recebia mais de trinta salários comprometia apenas 26,3% de seus rendimentos.
“Como a estrutura tributária brasileira mudou pouco desde então, podemos dizer que os resultados ainda são válidos”, diz Zockun. “Ou seja, parte do que o Estado dá com uma mão aos beneficiários de programas sociais retira com a outra – a mão dos tributos.”
Causas
A regressividade do sistema brasileiro pode ser em grande parte atribuída ao grande peso dos chamados impostos indiretos: tributos que incidem sobre a produção e comercialização de produtos e serviços – e acabam sendo repassados ao consumidor final.
Alguns exemplos são o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o PIS-Cofins – contribuições sociais que financiam o seguro desemprego e a seguridade social.
Tais tributos indiretos chegam a quase 50% da carga tributária brasileira enquanto em países desenvolvidos, o imposto de renda ou os impostos sobre o patrimônio tendem a ter mais peso – garantindo que os ricos paguem proporcionalmente mais.
“Aqui, se você acende a luz, abre a torneira ou atende o celular, já está pagando imposto. E como o pobre consome toda sua renda, ou até mais – uma vez que muitas famílias estão endividadas – acaba pagando proporcionalmente mais tributos”, diz Afonso.
“Por isso, podemos dizer que quando o governo paga pelos gastos e programas sociais, ao menos parte, está dando aos pobres o que tirou também dos pobres.”
Na avaliação de especialistas como João Eloi Olenike, do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), e Marcelo Oliveira do Instituto Justiça Fiscal (IJF) uma saída para o problema seria reduzir a carga dos impostos sobre o consumo em favor de tributos diretos sobre renda, patrimônio e lucro – como o IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano), o IPVA (Imposto sobre Veículos Automotores), além do Imposto de Renda ou mesmo o imposto sobre Grandes Fortunas, incluído na Constituição de 1988, mas nunca regulamentado. Eles admitem, porém, que a solução é controversa.
“Além disso, ao analisarmos os impostos indiretos, também percebemos situações que poderiam ser evitadas e aumentam ainda mais a regressividade do regime”, diz Afonso, do IBRE.
Ele nota, por exemplo, que, em função de um regime fiscal diferenciado alguns carros de luxo têm ICMS reduzido, mas o mesmo não ocorre com as carrocerias de ônibus.
“Também não faz sentido que jatinhos e iates não paguem IPVA mas uma moto de pequeno porte sim”, acrescenta Marcelo Oliveira, do IJF.
Impostos diretos
Há quem defenda a necessidade de se ampliar a progressividade até dos impostos diretos na busca por um sistema tributário que eles classificam como mais “justo” do ponto de vista social.
Segundo um levantamento do IPEA, no final dos anos 1970, o Brasil chegou a ter 12 faixas para o imposto de renda e uma alíquota máxima de 55%. Hoje, há apenas 4 faixas e a alíquota máxima é de 27,5%, incidindo sobre quem ganha mais de R$ 4.463,81.
Na Europa a média dos impostos sobre a renda dos mais ricos é de 42%, embora os valores em que elas começam a incidir variem muito.
“Se você ganha nessa faixa inferior da alíquota máxima ou se ganha R$ 100 mil por mês, paga proporcionalmente o mesmo”, nota Olenike, do IBPT.
“O resultado é que a classe média acaba pagando como os ricos – e ainda passa aperto para pagar por serviços cuja provisão pelo governo é vista como insuficiente, como educação e saúde”, opina.
Para Afonso, do IBRE, em qualquer reforma nessa área também é preciso considerar as dificuldades para se taxar as parcelas mais abastadas da população.
Isso ocorre, segundo ele, em parte porque, no topo da pirâmide social brasileira, há muitos que não são trabalhadores contratados em regime CLT.
“Temos desde os empresários de fato até aqueles contratados pelas empresas como pessoas jurídicas, esquema que permite que um imposto reduzido”.
Fonte: BBC
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